segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Quem é o meu próximo? – A Igreja como comunidade do amor


Pr Luciano R. Peterlevitz – 2º Aniversário da Congregação do Parque Oziel, 11.09.2011

Leia Lucas 10.25-37

No v.25 lemos que o ‘doutor da lei’ levantou-se para pôr Jesus à prova. Ele se ocupava com o estudo do Pentateuco. Era um perito em religião. Sua pergunta para Jesus: como obter a vida eterna? Jesus o arremete para aquilo que ele mais conhecia, a saber, a lei (v.26). O doutor então cita a shemá, tida pelos judeus como o ‘coração da lei’ judaica (v.27; Dt 6.4-5). Mas o curioso é que Jesus não responde a pergunta do doutor da lei, que indagou sobre como conseguir a salvação. Ao contrário, Jesus mostra como evidenciarmos que somos salvos. O doutor queria saber como conquistar a vida eterna. Jesus mostra como evidenciar a vida eterna na relação com o próximo. Por isso, disse: ‘faze isso e viverás’ (v.28).

O doutor da lei sabia o que significava o amor na lei de Moisés (v.27!). Mas ele não sabia o que significava o amor na prática cotidiana. “Faze isso e viverás”, disse Jesus.

Então chegamos ao v.29. A pergunta sobre como obter a vida eterna (v.25) necessariamente leva à outra pergunta: Quem é o meu próximo? É impossível falar de vida eterna sem falar do ‘próximo’. O doutor da lei quer saber quem exatamente ele deve amar. Para responder essa pergunta, Jesus conta uma parábola. Nela vemos duas perspectivas do ‘próximo’.


O próximo na perspectiva do sacerdote e do levita

Um homem que descia de Jerusalém para Jericó foi vitimado por assalto seguido por espancamento; estava caído no caminho. Por ali passaram dois peritos em religião: o sacerdote e o levita. Desviaram-se da vítima. Preocupavam-se com uma coletânea de regras religiosas. Esqueceram que viver no reino de Deus é viver no amor de Deus, e isso significa liberar amor àquele que está caído no caminho. Para o sacerdote e para o levita, o próximo era alguém que estava perto, seus conhecidos; talvez, seus colegas do templo. Para os peritos em religião, aquele estranho caído no caminho não era o próximo deles.

O principal problema dos dois religiosos não era a falta de compromisso, mas sim, o excesso de compromisso. Diz o texto que o sacerdote ‘descia pelo mesmo caminho’ (v.31). Que caminho? Ora, o mesmo caminho que descia aquele que foi espancado pelos ladrões, a saber, o caminho entre Jerusalém e Jericó (v.30). O sacerdote e o levita voltavam de seus compromissos religiosos de Jerusalém. Provavelmente tinham ido ao templo oferecer algum sacrifício. Nem podiam alegar que não tinham tempo, pois já tinham cumprido seus rituais. Mas eles se esqueceram daquilo que Deus disse: “misericórdia quero, e não sacrifícios” (Os 6.6).

Os religiosos estavam comprometidos com uma crença, não com o próximo. Aí reside o problema. Na perspectiva deles, o compromisso com uma religião era mais importante do que o compromisso com o próximo.

Eis nosso risco: estarmos comprometidos com os preceitos e doutrinas referentes à vida eterna, mas não evidenciarmos a vida eterna em nós através de um compromisso com o próximo. Será que não estamos comprometidos sobremaneira com nossas estruturas eclesiásticas a ponto de não restar tempo para o compromisso com a causa do próximo?

Há, ainda, outra pergunta que precisamos refletir: será que o pobre não se tornou uma ameaça, ao invés de ser objeto de compaixão?

Mia Couto, em O Assalto, diz: “No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território.”

Essa era a perspectiva do próximo do sacerdote e do levita. O ‘próximo’, para eles, eram aquelas pessoas boas, praticante da religião deles. Aqueles que estavam caídos, semi-mortos, eram uma ameaça ao rompimento de seus compromissos religiosos. Por que perder tempo com essa gente caída pelo caminho?


O próximo na perspectiva do samaritano

E o samaritano? Qual sua perspectiva do próximo? Veja os v.33-35. O samaritano estava em “viagem” (v.33). Não voltava de nenhum compromisso religioso. Mas, vendo o homem caído à beira do caminho, agiu com compaixão. Muito mais do que isso. Fez-lhe algo. Recolheu aquele que estava caído. Cuidou dele. Dispôs-se a fazer tudo o que aquele viajante machucado precisava.

Eis o princípio que aprendemos: precisamos pregar o evangelho todo para todo o homem e para o homem todo. Não é só pregar todo o evangelho (o evangelho completo, em todos os seus aspectos). Não é só pregá-lo para todos os homens. É, também, pregá-lo para o homem todo. O evangelho não é só para a salvação da ‘alma’. O evangelho é salvação para o homem, em sua totalidade.

O samaritano levou o viajante desconhecido a uma hospedaria. Tinha outros compromissos. Por isso deixou ali dois denários (o pagamento de um dia de trabalho), para seguir sua viagem. Voltaria, no entanto. Pagaria mais, se precisasse.

A questão não é anular nossos compromissos. Mas não podemos ir caminhando com nossos compromissos e esquecer-nos daqueles que agonizam no caminho.

Quem o nosso próximo? Essa é a questão no v.29. Jesus mostra que o ‘próximo’ não se restringe a alguém que está perto. É, nessa parábola, alguém que precisa da nossa ajuda. É, inclusive, um desconhecido.

Mas, no v.36, a questão quem é meu próximo? é definitivamente respondida. Nós é que somos o próximo! A questão não era “quem é meu próximo?”. Mas: “de quem sou próximo?”. Porque o próximo só vai ser próximo se nós nos aproximarmos. O samaritano se aproximou daquele que estava caído.

Esse é o nosso desafio: tornar-nos próximos daqueles que estão longe. Precisamos ir perto dos que estão longe.

O cristão e o trotskista, presos por Stálin, na Sibéria. O cristão cobria aquele homem com seu cobertor. Dava dois terços de sua ração àquele homem. Carregava aquele homem para tomar sol. O sujeito perguntou ao cristão: Jesus é igual você? O cristão respondeu: Não, Ele é muito melhor! O sujeito respondeu: Porque se Ele for simplesmente igual a você eu quero conhecê-lo!

Certa vez, um professor universitário hindu na Índia, ao identificar que um de seus alunos era cristão, disse-lhe: “Se vocês, cristãos, vivessem como Jesus Cristo viveu, a Índia estaria aos seus pés amanhã mesmo”. Eu penso que a Índia já estaria aos seus pés hoje mesmo se os cristãos vivessem como Jesus viveu. Oriundo do mundo islâmico, o Reverendo Iskandar Jadeed, árabe e ex-muçulmano, disse: “Se todos os cristãos fossem cristãos — isto é, semelhantes a Cristo —, hoje o islã não existiria mais”.

O mal prospera quando os bons estão de braços cruzados. “Cristo morreu de braços abertos, será que podemos viver uma vida espiritual de braços cruzados?” (Keith Green)


Conclusão

Ouvimos hoje o eco das palavras de Jesus: “vai e faze o mesmo”.

Alguém já disse que os assaltantes tomaram posse do que não lhes pertencia. A filosofia deles era: “O que é seu, é meu”. Já o sacerdote e o levita demonstraram egoísmo; para eles, o “eu” era o centro de tudo. Através de suas atitudes, disseram: “O que é meu, é meu”. Mas, a atitude do samaritano foi diferente. Ele demonstrou altruísmo. A filosofia dele era: “O que é meu, é teu”.


“Quando se perde a fé em Deus já não se pode crer no homem. O cristianismo exige a fé não somente em Deus, senão também no homem; é a religião do Deus-Homem... “

BERDIAEFF, Nicolas.


Quem é o nosso próximo? Não é somente alguém que conhecemos. É alguém que precisa de nós; alguém que está longe, de quem precisamos nos aproximar.

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