sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O CONCEITO DE GRATIDÃO NOS SALMOS


Luciano R. Peterlevitz


Os estudiosos classificam os salmos em vários gêneros literários, dentre os quais estão os “salmos de ações de graças”. Curiosamente são poucos os salmos que podem ser classificados nesse gênero. Isso porque nosso conceito de gratidão talvez não condiga com a mentalidade dos autores bíblicos. Vejamos.

Salmo 100.4: Entrai por suas portas com ações de graças e nos seus átrios, com hinos de louvor; rendei-lhe graças e bendizei-lhe o nome. (ARA). O verbo traduzido por “render graça” é o hebraico yadah. Essa palavra significa essencialmente um reconhecimento (confissão pública) dos atos de Deus na história.

Segundo Claus Westermann, não existe nenhuma palavra no AT que expresse a ideia contemporânea de “agradecer”. Quando se quer expressar gratidão, usa-se o verbo yadah, “louvar”, ou berek, “abençoar” (o adorador reconhece Deus como abençoador). Westermann afirma que “o AT não possui o nosso conceito autônomo de agradecimento. A expressão de gratidão a Deus está incluída no louvor, é um modo de louvor.” 1

Por isso, a melhor tradução do termo yadah seria “confissão”: o adorador confessa os atributos e os atos de Deus na história.

A noção de ‘agradecimento’, que seria a base da ação de graças, não é habitual ao homem bíblico. Esse homem, quando beneficiário de um dom, não ‘agradece’, ele ‘louva’ (veja exemplos dessa reação em Dt 9.10; 24.13; 2Sm 14.22; Jó 31.19s.; Ne 11.11). Por outro lado, o verbo que traduções recentes traduziam por ‘dar graças’ (forma causativa hodah) significa, na realidade, louvar, apreciar, especialmente ‘reconhecer’ (comparar justamente com ‘reconhecimento’’), a saber: experimentar uma verdade abstrata já conhecida e ‘reconhecer’ toda a sua riqueza. Essa significação é demonstrada, e também ilustrada, pelos verbos que os salmistas põem em paralelo com hodah, isto é, sapper, ‘contar, enumerar, enuncia’ (Sl 9.2; 78.3-6); haggid, ‘narrar’ (30.10; 92.2s.), hallel, ‘louvar’ (33.18; 44.9; 109.30; 111.1); zammer, “cantar” (18.50; 30.5,13, etc.).2

Ou seja, na mentalidade hebraica, agradecimento se traduz em louvor. Assim, agradecer é louvar a Deus. Você quer agradecer a Deus? Então, não vá a ele com meras palavras do tipo “obrigado”, mas derrame-se diante dele em louvor e adoração.

Ora, o que é gratidão senão o reconhecimento de que não existe nenhuma possibilidade de retribuição por um benefício recebido? O que é gratidão senão o surgimento da consciência de que não podemos retribuir um benefício? Daí vem a indagação do salmista: “O que darei ao Senhor, por todos os seus benefícios?” (Sl 116.12).

Há uma estória judaica que ilustra muito bem esse conceito de gratidão. Conta-se que Abraão recebia peregrinos e os alimentava. Depois Abraão impelia os peregrinos a louvarem Adonai. Caso os peregrinos se recusassem a render graças ao Deus de Abraão, então o patriarca dizia veementemente: “Então pagas o que deves”.

Ou seja, caso você não consiga quitar sua dívida, e se a quitação da mesma lhe for oferecida, então simplesmente agradeça. Mas se não quiser agradecer, então pague. Se não puder pagar, então agradeça.

Assim, mediante tudo aquilo que o Senhor fez por você, mediante a impossibilidade de retribuição pela bênção recebida, não lhe resta mais nada, senão se prostrar diante dele em adoração. Mas lembre-se: gratidão a Deus não é um mero “obrigado”. É, antes, um coração rendido. É louvar. Por isso, atenda o convite do salmista:

Cantem hinos a Deus, o SENHOR, todos os moradores da terra! Adorem o SENHOR com alegria e venham cantando até a sua presença. (Sl 100.1-2 [NTLH]).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WESTERMANN, Claus. The praise of God in the Psalms. Richmond, John Knox Press, 1965.
MONHOUBOU, L. “Os Salmos” em Os Salmos e os outros escritos. São Paulo, Paulus, 1996.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

RUMO A BELÉM


Luciano R. Peterlevitz


Leia Mateus 2.1-12


Guiados por uma estrela, os magos do Oriente foram até Belém a fim de presentear Jesus. Talvez, foram eles que inventaram o hábito de presentear no natal.

Os magos vieram do Oriente, da Pérsia, ou da Babilônia, ou talvez da Arábia do Sul. A tradição afirma que eram três reis magos (Gaspar, Melchior e Baltazar). Mas a Escritura não diz quantos eram, nem quem realmente eles eram. Somente sabemos um detalhe: eles eram gentios. Vieram para Israel, anunciar que o Messias esperado por Israel havia nascido. De certa forma, cumpriu-se a profecia de Zacarias 8.23:

Assim diz o SENHOR dos Exércitos: “Naqueles dias, dez homens de todas as línguas e nações agarrarão firmemente a barra das vestes de um judeu e dirão: ‘Nós vamos com você porque ouvimos dizer que Deus está com o seu povo”.

Mas qual foi a atitude dos religiosos (chefes dos sacerdotes e escribas)? Eles tinham conhecimento do local do nascimento de Jesus, e até o indicaram para Herodes (Mt 2.3-6), mas eles mesmo não foram até lá. Eles eram como uma placa: indicavam o caminho, mas não seguiram o caminho. Eles conheciam as Escrituras do Antigo Testamento, mas, quando Deus as cumpriu, enviando o Messias prometido, não acreditaram. Bem diferente dos magos, que só tinham a estrela, mas creram nela!

Israel conhecia as Escrituras. Estava na terra santa. Mas foi necessário os gentios virem de uma terra distante anunciar para Israel que o Messias esperado havia nascido. Entretanto, Israel não foi para Belém. Aqueles que aguardavam a vinda do Messias não foram prestegiar o Messias quando ele nasceu.

Nós conhecemos as Escrituras. Dizemos que cremos nela. Crer na Palavra é conduzir toda a nossa vida pela Palavra. Os magos tiveram uma atitude: criam na profecia, e foram até Belém. Dizemos que cremos na Palavra, mas quando Deus nos pede uma atitude, será que atendemos à sua voz?

Os magos almejavam chegar a Belém: v.2. Eles estavam em Jerusalém, perguntando sobre Belém. Jerusalém era símbolo do messianismo judaico. Em Jerusalém, os magos encontraram-se com um rei humano, Herodes. Este rei simboliza tudo aquilo que Jesus não era. Os magos foram até o palácio de Herodes (v.7), mas os presentes que tinham não eram para aquele rei. Eles não queriam honrar as glórias desse mundo. Seus presentes eram para o menino-rei de Belém.

Os magos foram para Belém e encontraram-se com o menino Jesus. Encontraram-se com Deus. Que o natal seja um momento de encontro com Deus. Que o natal seja um momento em que a presença de Deus seja renovada em nossas vidas!

Aqueles homens viajaram milhares de quilômetros. Para que? Para receber presente? Não. Viajaram para presentear o menino Jesus, o mais novo rei nascido. E não era um rei qualquer. Era e é o Rei dos Reis.

Mas hoje muita gente viaja quilômetros e quilômetros para obter uma ‘graça’ ou uma benção. Aprendamos com os magos, que viajaram simplesmente para adorar Jesus.

Quando você dá um presente a Cristo, com isso você está dizendo: “a alegria que eu procuro não é a esperança de ficar rico com o que vem de você. Eu não vim até você por essas coisas, mas vim por você. E esse desejo eu intensifico agora e o demonstro ao entregar essas coisas, na esperança de desfrutar mais de ti, não dessas coisas. Ao dar a você o que preciso, e o que eu talvez desfrutasse, estou dizendo mais séria e autenticamente: “você é meu tesouro, não essas coisas”. (John Piper)

Os magos levaram tesouros a Jesus, e encontram o maior tesouro: Jesus, na manjedoura.

É muito bom ganhar presentes no natal. Mas eles não duram para sempre. Logo ficam velhos. Mas o presente que Jesus dá é um presente eterno, incorruptível: a vida eterna, a paz e a alegria eternas.

Há ainda outra lição que aprendemos com os magos do Oriente. Eles levaram seus tesouros ao menino Jesus. Ofereceram-lhe ouro, incenso e mirra. Muitos acreditam que cada um desses elementos representa um aspecto da Pessoa e obra de Cristo (ouro: Jesus é o Rei dos reis; incenso: Jesus é Sumo Sacerdote; mirra: Jesus é o Profeta). Entretanto, parece que Deus estava usando aqueles homens para suprir a família de Jesus na viagem que faria, logo a seguir, para o Egito, conforme lemos na seqüência do texto (Mt 2.13-15). O ouro pagaria as despesas da viagem. O incenso e a mirra eram bastante preciosos no Egito, e de fácil transporte. Os magos foram parceiros de Deus, na obra que Ele estava fazendo na terra. Portanto, o natal é uma oportunidade para demonstrar que somos parceiros de Deus nessa terra. É uma oportunidade para demonstrarmos o amor de Deus revelado no menino Jesus. É uma oportunidade para abençoar a vida de outras pessoas que necessitam de recursos para sua subsistência.

Portanto, é preciso ir a Belém. Atentemo-nos às palavras dos pastores, em Lc 2.15: Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer. A glória de Deus já havia se manifestado a eles. Mas eles ainda não sabiam exatamente o que o Senhor lhes tinha dado a conhecer. Há muitos assim também. Já sabem que a glória de Deus se manifestou. Mas ainda não foram até Belém, para se prostarem diante de Jesus, o Salvador, o Messias, o Senhor do Universo.

O que é mais emocionante no natal? É a possibilidade de irmos até Belém. Não passe esse natal sem ir até lá. Não celebre essa data sem encontrar-se com o Senhor Jesus. Que seja um momento de entregar seu maior tesouro, seu coração, para Jesus. Que seja o momento de encontrar-se com o Maior Tesouro, Cristo na manjedoura. Que seja também uma oportunidade para contribuir com os propósitos de Deus para com este mundo. Não desperdice a oportunidade de ser parceiro de Deus nessa terra.

Você quer ir até Belém?

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

MARIA, MÃE DE JESUS


Pr Luciano R. Peterlevitz – Missão Batista Vida Nova, 12/12/2010

Lc 1.46-55:

46 Então, disse Maria:

A minha alma engrandece ao Senhor,

47 e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador,

48 porque contemplou na humildade da sua serva.

Pois, desde agora, todas as gerações me considerarão bem-aventurada,

49 porque o Poderoso me fez grandes coisas.

Santo é o seu nome.

50 A sua misericórdia vai de geração em geração

sobre os que o temem.

51 Agiu com o seu braço valorosamente;

dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos.

52 Derribou do seu trono os poderosos

e exaltou os humildes.

53 Encheu de bens os famintos

e despediu vazios os ricos.

54 Amparou a Israel, seu servo,

a fim de lembrar-se da sua misericórdia

55 a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre,

como prometera aos nossos pais.

Introdução

Não há dúvida de que Maria é uma das grandes personagens da Bíblia. Não podemos desmerecê-la. Mas existem vários mitos sobre ela. Um deles afirma que ela permaneceu virgem. Entretanto, a Escritura afirma: “Mas não a conheceu na intimidade enquanto ela não deu à luz um filho...” – Mt 1.25. Maria permaneceu virgem “enquanto” ela não deu à luz Jesus. Após o nascimento de Jesus, Maria relacionou-se com seu marido José, e teve outros filhos. Jesus teve vários irmãos: Mr 3.31.

Aqui em Lucas 1.46-55, lemos um cântico de Maria. Ela celebra o Senhor, por causa de sua gravidez, em especial porque ela daria à luz um menino especial, que seria o Salvador da humanidade (Lc 1.39-45). Aprendamos algumas lições de Maria, a mãe de Jesus.

1. Maria adorou a Deus como Poderoso: v.46, 49

Maria não foi mãe de Deus.

Maria engrandece ao Senhor, porque o Senhor decidiu usá-la como instrumento de salvação para a humanidade. Jesus teve duas naturezas: divina e humana. Portanto, a Bíblia diz que Maria foi mãe do Jesus, enquanto homem. Jamais diz que ela foi mãe de Deus.

Lucas 1.46-55 é um cântico de Maria. Trata-se de um gesto de adoração. Ora, como alguém pode adorar a Deus, e ao mesmo tempo ser “mãe” de Deus?

Na verdade, não foi ela quem fez algo por Deus. Foi o “Poderoso” quem fez grandes coisas para ela (v.49).

Então, o foco do natal é o Deus Poderoso. É o Emanuel, o Deus conosco. É a Ele que os magos do Oriente adoram. A centralidade da mensagem do natal não está nos anjos que anunciam o nascimento de Jesus, nem em Maria, mas em Jesus.

Portanto, o que restava a Maria? A adoração. O natal é um momento de adoração. Passar o natal sem adorar Cristo é como ir a um aniversário e não homenagear o aniversariante.


2. Maria adorou a Deus como Salvador: v.47

Maria era instrumento de salvação. O Salvador nasceu através do seu ventre. Mas a salvação não vinha dela. Ela mesma reconheceu que precisava de um Salvador: v.47. Então, o Salvador que nasceu por ela veio para salvá-la também.

Maria não era imaculada. Necessitava de salvação. Foi por isso que ela exaltou a “misericórdia” do Senhor: v.50, 54. Por isso, é um equivoco achar que Maria é “cheia de graça”, no sentido de que ela confere graça. De fato as Escrituras afirmam que ela é “agraciada” (Lc 1.28), cheia de graça. Ela é cheia de graça porque encontrou graça diante de Deus: Lc 1.30. A graça não vem dela, mas vem de Deus para ela.

Cristo recebeu o nome de “Jesus” (o Senhor salva) exatamente porque veio para salvar o seu povo de seus pecados: Mt 1.21. Jesus nasceu para morrer. Não somos salvos pelos seus ensinos ou pelo seu exemplo de vida. Somos salvos através de sua morte e ressurreição. Jesus nasce numa manjedoura para morrer numa cruz. Ele viveu à sombra da cruz. Ele morreu em nosso lugar. É o nosso substituto. A ira de Deus caiu sobre Ele, para que não caísse sobre nós. Seu corpo foi moído na cruz, a fim de que recebêssemos o perdão dos pecados e o dom da vida eterna. Por isso Ele é o Salvador, inclusive o Salvador de Maria. É o nosso Salvador.


3. Maria adorou a Deus como Aquele que exalta os humildes: v.48, 51, 52, 53.

Maria afirma que Deus se atentou à sua condição humilde: v.48. Ela reconhece que Deus humilha os arrogantes e derruba os poderosos dos tronos: v.51, 52. O Senhor mata a fome dos famintos: v.53.

O nascimento do Filho de Deus numa humilde manjedoura é um golpe mortal contra a arrogância do ser humano. O Rei dos reis merecia nascer num palácio, mas nasceu num estábulo de animais. O Criador do Universo não nasceu num berço de ouro, mas num cocho coberto de palhas.

Jesus nasceu numa manjedoura e morreu numa cruz, para mostrar que Ele, apesar de ser o Criador do Universo, sempre está disposto a ir ao lugar mais humilhante para buscar os humilhados e desprezados. Os pobres e humildes sempre encontrarão refúgio nos braços de Deus.

Saiba: por mais humilhante que seja sua situação, ninguém foi mais humilhado do que Cristo. E agora a promessa que o Senhor faz para a sua vida é essa: Humilhai-vos diante do Senhor, e ele vos exaltará (Tg 4.10).


4. Maria adorou a Deus como Aquele que cumpre as suas promessas: v.54, 55, 56.

Jesus é o Salvador, “que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11). “Cristo” significa Ungido, Messias. Jesus é o Messias prometido no Antigo Testamento. Jesus nasceu no momento certo da história. Sua vinda foi minuciosamente planejada por Deus. As profecias do Antigo Testamento já apontavam sua vinda. E, na plenitude do tempo, Ele nasceu.

Assim, Deus cumpre a sua Palavra. A profecia do Antigo Testamento afirmava que o Messias haveria de nascer em Belém, na Judéia (Mq 5.2). Entretanto, a jovem Maria, que estava grávida de Jesus, não morava em Belém, mas em Nazaré, na Galiléia. Como o Salvador nasceria na Judéia? Mas Deus moveu a história para cumprir seus desígnios. Exatamente no tempo em que Maria estava para dar à luz, César Augusto promulgou um recenseamento, ordenando todos habitantes do império romano irem se alistar, cada qual em sua terra natal. José era de Belém. Assim precisou subir às montanhas de Belém da Judéia, onde Maria deu à luz. Deus cumpriu a profecia de Miquéias!

A Palavra de Deus não pode falhar. A profecia deveria se cumprir. Deus conduz a história para cumprir seu desígnio. Por isso podemos descansar. Porque nada foge ao controle do Senhor.


Conclusão

Maria adorou a Deus como Poderoso. Maria adorou a Deus como Salvador. Ela adorou a Deus como Aquele que exalta os humildes. Ela adorou a Deus como Aquele que move a história para cumprir as suas promessas.

Neste natal, Deus espera de nós um gesto de adoração. Uma adoração que celebre os grandes feitos do Senhor. Uma adoração que centralize Jesus como Senhor e Salvador. Uma adoração através da qual nos humilhamos diante do Senhor, quebrantando nosso coração diante Dele. Uma adoração que possibilite nosso coração descansar no Deus que controla a história para cumprir as suas promessas.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

LIDANDO COM OS CONFLITOS FAMILIARES


Pr Luciano R. Peterlevitz – Missão Batista Vida Nova, 05/12/2010

Leia Gênesis 16.1-16

Introdução

O problema não são os conflitos. O problema é o modo como lidamos com eles.

Conflitos na casa de Abraão: v.1-6.

Passaram-se dez anos, e a promessa de Deus, referente ao nascimento do filho prometido, ainda não havia se cumprido.

Então Sarai adere ao costume da antiga Mesopotâmia: diante da esterilidade, a mulher entregava sua escrava como mulher ao marido, para que os filhos dessa união fossem reconhecidos como seus: v.2-4a. Legalmente, a escrava passava a ser ‘propriedade’ do marido. Assim, Agar foi entregue por Sarai a Abraão. A escrava passou a pertencer a ele.

Conflito familiar (v.4b-6): Agar concebeu, e começou desprezar Sarai. Então Sarai exigiu que Abraão desenvolvesse-lhe Agar. Seu pedido foi atendido (v.6).

Maltrata por Sarai, Agar foge de sua presença. Vai ao deserto, no “caminho de Sur”, rumo ao Egito, sua terra natal.

Agar, diante dos conflitos familiares, fugiu para o deserto. Lá o Anjo do Senhor foi ao seu encontro.

O que fazer quando estamos no deserto, por causa de conflitos familiares?

O que o Anjo do Senhor disse para Agar?

É preciso enfrentar os conflitos

Volta, e resolva o problema. Foi isso que o Anjo do Senhor disse para Agar (v.9).

Agar: era mulher (inferiorizada pela cultura da época), estava grávida e era escrava egípcia. Além disso, estava sozinha num árido deserto. Situação difícil. Mas ela estava ali porque fugia dos conflitos.

Problema: a fuga gera solidão e multiplica a dor.

Antes de fazer a promessa para Agar (v.10-12), o Anjo exige dela uma atitude: “Volta para a tua senhora humilha-te sob as mãos dela.”

Muitas pessoas querem a promessa, mas não se dispõem a fazer sua parte na resolução dos problemas familiares.

Atitudes que ajudam a resolver os conflitos:

a) Amor (do marido à mulher). Maridos: o Senhor não amará suas esposas por vocês. Vocês precisam fazer isso.

b) Respeito (da mulher ao marido). Esposas: o Senhor não respeitará seu marido por vocês. Vocês precisam fazer isso.

c) Honra e obediência (dos filhos aos pais). Filhos: o Senhor não honrará seus pais em por vocês. Vocês precisam fazer isso.

d) Humildade (o amor não se engrandece; é a recomendação de Deus a Agar: “humilha-te sob as mãos dela”). O Senhor não se humilhará por você. Você precisa fazer isso.

e) Perdão mútuo. O Senhor não perdoará por você. Você precisa fazer isso.

A mão do Senhor não está encolhida para que não possa salvar. É o nosso pecado que faz separação entre nós e Deus. O Senhor sempre está disposto a restaurar uma família. Você almeja isso para sua casa? Então, encare os problemas. Não fuja deles. Se os conflitos existem, você também é culpado por eles. É preciso que você se disponha a resolvê-los. Como? Amando, perdoando, humilhando-se, respeitando. É preciso uma atitude sua.

É preciso confiar na promessa

Depois da exigência, o Anjo prometeu uma descendência numerosa para Agar: v.10.12.

V.11: “chamarás Ismael, pois o Senhor ouviu tua aflição”. O nome “Ismael” significa “que Deus ouça” ou “Deus ouve”, e relaciona-se à frase “o Senhor ouviu tua aflição”. Os descendentes de Ismael seriam numerosos (v.10). De fato o filho de Agar foi pai dos ismaelitas, de onde vêm os atuais maometanos e árabes. Estes até hoje vivem em “hostilidade” (v.12) com seus irmãos israelitas, pois reivindicam a ancestralidade com Abrão e a possa da Palestina.

V.13-14: El Roi, “Deus da visão”. Agar contemplou a manifestação de Deus. Àquele poço, onde o Anjo do Senhor lhe havia aparecido, Agar deu o nome de “Beer-Laai-Roi”, que significa “um poço daquele que vive e me vê”. O Deus Vivo viu a aflição de Agar!

Deus ouviu o clamor de Agar (“Ismael”). Deus viu sua aflição (“Beer-Laai-Roi”). Assim também, o Senhor vê e ouve os conflitos das nossas famílias.

Agar retornou para Sarai (v.15). Quatorze anos depois, será novamente expulsa por sua senhora (Gn 21.9-21). Caminhará errante, com seu filho Ismael, pelo deserto da Berseba. O cantil de água secará. Ela e seu filho chorarão. Mas do deserto o choro da mãe e da criança será ouvido por Deus: Gn 21.17. Os olhos de Agar serão abertos, e ela verá um poço bem próximo (21.19).

Por mais árido que seja o deserto, sempre haverá um poço ao nosso redor. O problema é que geralmente não o enxergamos. Então é preciso que o Senhor abra nossos olhos. E então a água que mata nossa sede sempre estará à nossa disposição.

Essa é a promessa de Deus: sempre teremos em nossas mãos a Palavra de Deus, viva e eficaz. Que ela esteja em nossos corações.

Essa é a promessa de Deus: o seu amor, que tem sido derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi outorgado (Rm 5.5). Sendo assim, sempre seremos capacitados pelo Espírito para amar e para perdoar.

Conclusão

É assim que vamos lidar com os conflitos familiares: encarando os problemas; diante dos conflitos, o Senhor espera uma atitude nossa. Mas, é claro, é preciso confiar no Deus que ouve e vê nossos conflitos.

domingo, 21 de novembro de 2010

UM SEGUNDO TOQUE


Pr Luciano R. Peterlevitz - 13º Aniversário da Igreja Evangélica Presbiteriana Ebenézer, Americana, 19/11/2010


Evangelho Segundo Marcos 8.22-26:

22 Então, chegaram a Betsaida; e lhe trouxeram um cego, rogando-lhe que o tocasse. 23 Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia e, aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: Vês alguma coisa? 24 Este, recobrando a vista, respondeu Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando. 25 Então, novamente lhe pôs as mãos nos olhos, e ele, passando a ver claramente, ficou restabelecido; e tudo distinguia de modo perfeito. 26 E mandou-o Jesus embora para casa, recomendando-lhe: Não entres na aldeia.


Introdução

Há quatro Evangelhos no NT: Mateus, Marcos, Lucas e João. Evangelho: boas novas. Poder de Deus para todo aquele que crê.

Marcos: Evangelho da ação. Focalizam-se os milagres de Jesus. Destinatários: romanos.

Autor: João Marcos, discípulo de Pedro (1Pe 5.13).

Data e época: depois de 64 d.C., quando o imperador romano Nero desencadeou uma terrível perseguição contra os cristãos de Roma.

Estrutura de Marcos:

O Evangelho de Marcos pode ser dividido em duas partes: 1ª Parte: Mr 1.1 – 8.26 (os milagres de Jesus); 2ª Parte: Mr 8.27 – 16.8 (a morte e a ressurreição de Jesus).

José Bortolini disse que o Evangelho de Marcos pode ser comparado à escalada e descida de uma montanha. Subimos por um lado (Mr 1.1 – 8.26), e descemos pelo outro lado (8.27 – 16.7). No final do Evangelho (16.1-8), somos convidados a retornar ao início, onde tudo começou; somos enviados novamente ao início do ministério de Jesus, na Galiléia (1.14). Em 16.1-8 inicia-se uma nova escalada de fé. Assim, somos desafiados a recomeçar diante de cada empecilho. Diante de cada desafio, é preciso vencer o desânimo, e recomeçar a trilhar.

Portanto, Marcos escreve aos cristãos perseguidos, mostrando a eles que, a despeito da perseguição, sempre é tempo de recomeçar, sempre é tempo de voltar à Galiléia, e recomeçar o discipulado com Jesus.

A estrutura de Marcos aponta quem é Jesus. De início ao fim, o Evangelho responde que Jesus é o Filho de Deus, o Messias esperado: 1.1 (início) – 8.29 (meio) – 15.29 (fim).

Portanto, a narrativa da cura do cego de Betsaida (8.22-26) é o último bloco literário da primeira parte do Evangelho de Marcos. A partir de 8.27, inicia-se a segunda parte de Marcos, que focalizará a crucificação de Jesus (8.31).

É curioso que a cura do cego de Betsaida é narrada somente por Marcos. Esta narrativa é o ponto culminante da primeira parte, que focalizou os milagres de Jesus (1.1 – 8.26). Mas, neste ponto culminante, antes de iniciar sua jornada à cruz, Jesus chega em Betsaida com seus discípulos, onde cura um cego. A cura é efetuada em dois momentos, por dois toques de Jesus. Na verdade, Jesus quer mostrar aos discípulos que eles não estão enxergando com nitidez o plano de Deus. Vejamos isso com mais detalhes.


O primeiro toque: v.22-24

As pessoas de Betsaida levaram até Jesus um cego, para que Ele o curasse. O Senhor tomou o cego pela mão, tocou em seus olhos, e curou-o parcialmente. O cego estava quase curado. Mas via os homens andando como se fossem árvores.

A cura parcial do cego demonstra o estado dos discípulos: eles estão enxergando Jesus, mas de forma embaçada (veja Mr 6.45-52). Eles têm olhos, mas não vêem (8.18; veja v.14-21). Portanto, essa narrativa (8.22-26) arremessa-nos para a primeira parte do Evangelho de Marcos (1.1 – 8.21), que narra o primeiro “toque” de Jesus nos discípulos. Eles já conheciam Jesus. Viram os milagres do Senhor. Mas ainda eram míopes. Essa miopia espiritual é comprovada por outros textos: 8.18; 9.5-7; 9.33-34; 10.35-37.

V.23: “tomando pela mão”: é um gesto de levantar e conduzir aquele que está caído. É isso que Jesus quer fazer com os discípulos: conduzi-los e tocar em seus olhos, para que vejam quem é Jesus, para que não pensem mais nas coisas dos homens, mas nas coisas de Deus (8.33). Então, os discípulos precisam de um segundo toque.


O segundo toque: v.25-26

O Senhor Jesus colocou novamente as mãos sobre os olhos daquele homem, e ele começou a ver claramente. O homem recebeu um segundo toque, e finalmente enxergava todas as coisas nitidamente.

Assim também os discípulos: precisavam de um segundo toque. Um exemplo: Pedro, que reconhecia que Jesus era o Messias. Mas não aceitava a cruz (8.29-33). Ele queria um Jesus sem cruz. Depois, finalmente negou Jesus. Pedro era como um robô: cria, mas não tinha consciência em que cria. Pedro não pensava nas coisas de Deus, mas sim nas que são dos homens.

“Jesus não quer seus seguidores robôs, quem podem ser manipulados, manobrados como escravos para seguirem um causa que não entendem. O seguimento de Jesus deve ser livre e consciente; só assim será uma resposta de amor.” (Euclides M. Balancin).

Cuidado para não ser manipulado com os valores do mundo. Cuidado para não ser moldado com as coisas que os homens pensam. Cuidado com a visão que os outros tem de Jesus. O Senhor Jesus sempre pergunta para nós: O que os homens pensam a respeito de mim? E depois indaga: e você, o que diz sobre mim?

Você entende o que significa ser discípulo de Jesus? Você realmente se comprometeu a seguir Jesus, ou você faz isso só por obrigação, sem alegria? Há muitos crentes robôs: fazem as coisas, mas não entendem por que fazem. Não conseguem enxergar as coisas de Deus. Quando olham homens, vêem árvores. Quando olham para cruz, vêem um pedaço de madeira sem significado. Quando olham para Bíblia, vêem-na como um livro sem vida, incapaz de moldar seus pensamentos e valores.

Após curar aquele homem, Jesus mandou-o para casa, mas ordenou que não entrasse no mesmo povoado. Aquele homem não teria casa fixa. Betsaida era um lugar pagão. Então, aquele homem, com sua visão restaurada, seria um sinal do poder de Deus e levaria muitos a conhecer a Jesus.

Dessa forma, a primeira parte do Evangelho de Marcos (1.1 – 8.26) termina mostrando um pagão tornando-se discípulo de Jesus, e sendo desafiado a viver o discipulado em Betsaida, uma terra pagã. Assim também os discípulos precisavam de um segundo toque do Senhor, para que pudessem viver o Evangelho por onde fossem, negando-se a si mesmos, tomando a cruz, e seguindo a Jesus (8.34), em meio a uma “geração adúltera e pecadora” (8.38). Assim o “segundo toque” é o chamamento à cruz. É isso que lemos em Mr 8.34-38. Este texto caminha para 15.39, texto que descreve a confissão de fé do centurião romano, ao pé da cruz. Naquele momento, o véu rascou-se ao meio, e o acesso à presença de Deus estava garantido (15.38). Ali, junto à cruz, aquele homem que participou da crucificação de Jesus, agora reconhece que o homem quem crucificara é o Filho de Deus. Ele matou o filho de Deus. Mas agora, junto à cruz, aquele centurião estava crucificando o seu eu, tomando a sua cruz, e iniciando sua jornada ao lado de Jesus. Só ao pé da cruz podemos compreender que Jesus é o Filho de Deus. Só ali recebemos o segundo toque de Cristo.


Você está desanimado? Você acredita em Jesus, mas está longe de Jesus? Você acredita na Palavra de Deus, mas molda sua vida nas coisas dos homens e não nas que são de Deus? Você sabe que Deus é o Deus dos milagres, mas seu coração ainda continua endurecido? Então hoje é o dia de receber um segundo toque de Jesus.