quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O Jacó e o novo Jacó


Pr Luciano R. Peterlevitz – Missão Batista Vida Nova, 24.07.2011

Leia Gn 32.22-32.


Introdução

Mudança de nome. Mudança de caráter. O Jacó e o novo Jacó. De Jacó para Israel. Mudar é preciso. Será que pau que nasce torto tem de continuar torto?

Gn 32.22-32 evoca a mudança do nome de um homem. Mas qual é, exatamente, o sentido teológico deste texto?

A meu ver, é imprescindível relacionar este texto com o que lhe precede e com o que lhe sucede. Ou seja, Gn 32.22-32 precisa ser compreendido à luz de 32.3-21 e 33.1-17.


O encontro com o passado

Gn 32.22-32 começa em Gn 25.19-34. “Esaú” (hebr. ‘esan) significa “peludo”, e faz um paralelo com a palavra hebraica se‘ar, “manto de pelos”, que por sua vez relaciona-se etimologicamente com “Seir”, terra na qual habitou Esaú (Nm 24.18). Também é chamado de “Edom” (v.30), porque era ruivo ( hebr. ’admôni ) e porque comeu um prato de cor ruiva ( hebr. ’adom). “Jacó” ( hebr. ya‘aqob) forma um jogo de palavras com “calcanhar” (hebr. ‘aqeb), porque nasceu segurando o calcanhar do seu irmão. Uma variação do seu nome é “suplantador”, “dominador”, conforme se verifica em 27.36 (Os 12.4).

Passado de Jacó: lutas e rivalidades. Enganação, ódio e fuga: Gn 27.1 – 28.9. Fugindo do seu irmão Esaú, Jacó permanece 20 anos em Padã-Arã. Recebe a ordem de Deus para voltar à terra prometida: Gn 31.3. Jacó teria de encontrar-se com seu irmão.

No vau do Jaboque, Jacó tinha um encontro marcado com o seu passado.

Não podemos fugir do nosso passado. O passado denuncia. Não podemos esconder nossos erros debaixo do tapete. O ódio e a amargura são elementos do passado que se manterão presentes em nossas vidas, exceto se permitirmos que a graça de Deus nos cure.


O encontro com o futuro

Antes de encontrar-se com Esaú, Jacó tem um encontro com Deus: Gn 32.22-32.

O nome “Israel” é uma contração da expressão “lutou com Deus” (v.28), significando então “ele luta com Deus”. Na verdade, apesar de vencer a luta, Jacó foi vencido por Deus. Seu nome mudado denota que não seria mais um “suplantador” (“Jacó”), mas um lutador (“Israel”). Naquele dia Jacó foi vencido pela graça de Deus, pois ele mesmo afirma que viu a face de Deus e sua vida foi poupada. Este é o significado de “Peniel”: “face de Deus” (v.30). A partir de agora, Jacó não mais confiaria em sua sagacidade para alcançar bom êxito nos negócios, mas sempre estaria diante da face de Deus.

Israel é aquele que luta com Deus. Não é alguém que luta contra Deus, mas com Deus, ao lado de Deus. Em Peniel Jacó viu a face de Deus, e agora, toda a sua luta, toda a sua vida, seria dirigida pela presença de Deus. Jacó não viveria mais por suas pilantragens. O suplantador não seria mais suplantador, mas, depois do encontro com Deus em Peniel, ele seria o novo Jacó, Israel, aquele que caminharia com Deus, ao lado de Deus. Com sua coxa deslocada, mancando, Jacó se lembraria que cada passo de sua vida seria dado com Deus, ao lado de Deus.

Mas Israel não é só aquele que luta com Deus. É também aquele que luta com os homens (v.28: “por que lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste.”). A partir da luta com Deus, o novo Jacó/Israel não mais lutaria contra o seu irmão, mas lutaria com o seu irmão, ao lado do seu irmão. O Jacó não mais seria Jacó, o suplantador de Esaú. O Jacó seria Israel. Faria as pazes com o seu irmão! É o que se verifica em Gn 33! Jacó havia visto a “face de Deus” (Peniel!). Agora, depois de passar o Jaboque, ele vê a face de Deus na face do seu irmão: “porque ver o teu rosto foi como ter visto o rosto de Deus” (Gn 33.10)!

Significados da luta de Jacó:

1. É preciso mudar, para que haja perspectiva de futuro. Mudamos no decorrer do tempo. Não somos. Estamos sendo. Portanto, jamais diga: “não mudo; sou assim mesmo”. Quando encontramos com Deus em Peniel, quando vemo-Lo face a face, somos transformados. No Jaboque, o Senhor nos fere, humilha o nosso ego, deixa em nós a Sua marca, a fim de lembrarmos que em cada passo precisamos nos lembrar que lutamos com Deus, ao lado de Deus.

2. Gn 32.22-32 é uma proposta de paz entre Israel e Edom, dois povos que se rivalizaram ao longo da história bíblica. Não se pode fugir de um passado de lutas e massacres. É preciso enfrentá-lo, reconhecer o erro, para que tenhamos um futuro de paz. Encontrar-se com Deus é encontrar-se no outro e com o outro. Isso é deveras atual. Veja o ataque terrorista na Noruega, por Anders Behring Breivik, considerado um fundamentalista cristão. Violência em nome da religião e da pureza racial. Mas no encontro com Deus encontramo-nos com o outro. Quando vemos Deus face a face somos instigados a resolver os conflitos com o próximo. O sujeito pode falar em primeira pessoa porque existem outras pessoas. Fomos criados para viver na coletividade, para conviver com o outro. A ética cristã tem Cristo como fundamento e o outro como referência.


Que o Senhor nos conduza a Peniel. Que ali contemplemos a face de Deus, e que ali nosso caráter e nossa vida sejam mudados. Que ali recebamos o toque de Deus, para convivermos com as outras pessoas diferentes de nós, e dessa forma, nossos conflitos e rancores sejam resolvidos.

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