sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Piedade Pervertida

Luciano R. Peterlevitz


Fiz algumas anotações do texto do Ricardo Quadro Gouvêa, A piedade pervertida – Um manifesto anti-fundamentalista em nome de uma teologia de transformação. São Paulo: Grapho Editores, 2006.


O livro é uma avaliação crítica aos modelos eclesiásticos contemporâneos, que, apesar de se identificarem como evangélicos, nutrem um catolicismo medievalesco e um misticismo pagão. Para a construção de uma Igreja pautada nos valores bíblicos, é preciso superar o absolutismo fundamentalista, que tende a priorar mais os sistemas ou os dogmas do que as pessoas.


Seguem alguns insights do livro.


“Hoje percebe que as igrejas se tornaram empresas da fé. Elas visam o crescimento, a ampliação, e insistem na ordem e na organização, eliminando quaisquer dúvida ou práticas que possam colocar tais prioridades em risco, sem nunca se perguntarem se tais questionamentos ou práticas não poderiam um indicativo dos desvios das igrejas.” (p.14).


Ricardo afirma que o Princípio Protestante, “impresso de forma indelével nos grandes ideais da Reforma Protestante, foi abandonado” (p.25). “O Princípio Protestante, quando enfatizado, torna os membros das igrejas excessivamente críticos, isto é, capazes de avaliar criticamente o ensino e as práticas da própria igreja.” (25).


Hoje o princípio sola scriptura foi esquecido no meio evangélico, “pois a Bíblia é lida somente através de óculos doutrinários que não permitem que ela fale por si mesma. Ela só fala aquilo que os constrangimentos impostos pela leitura dogmática permitem que ela fale.” (p.26).



“O que mais caracteriza a medievalização da igreja é o eclesiasticismo sacramentalista” 27). Percebe-se hoje o conceito equívoco, no meio evangélico, que a instituição eclesiástica é a intermédia entre Deus e os homens.


A medievalização é percebida na Igreja atual sobretudo na forma de “fetichismo” ou “feitiçaria” como instrumento de manipulação de Deus. Ricardo afirma:

“Todos sabemos que a adoração e o louvor a Deus é parte central do culto cristão e da piedade cristã. Entretanto, o ‘louvorzão’, assim como as vigílias e as reuniões de oração, e até mesmo o mais simples culto de domingo, muitas vezes não passam de um tipo de superstição que beira a feitiçaria, uma vez que ele é realizado no intuito de ‘forçar’ uma ação benévola da parte de Deus, como se o culto e o louvor fossem um ‘sacrifício’, como os antigos sacrifícios pagãos. Neste caso, não temos mais liturgias, mas sim teurgias, nas quais procura-se manipular o poder de Deus”. (p.28).


Ricardo afirma que os jovens deveriam ser estimulados a comporem músicas que não somente falem das doutrinas que professam, ou dos jargões evangélicos comuns, mas músicas “que expressassem os valores do Reino de Deus, de tal forma que esses valores pudessem ser artisticamente comunicado à sociedade em geral” (p.41).


O autor nega que a mera evangelização possa contribuir para o desenvolvimento da sociedade. “Se todo o país se converter, isso só resolverá os problemas financeiros das igrejas, mas não resolverá as mazelas sociais e culturais do país. Estas só se resolverão quando os valores do Reino de Deus forem infundidos na própria cultura e na sociedade em geral.” (p.41).


A liturgia “deve ser um meio de transporte, não um cárcere. E um cárcere decorado no estilo clássico tradicional ou no estilo informal contemporâneo, continua sendo um cárcere, em vês de um veiculo de libertação.” (p.61).


O lema da tolerância cristã é: em tudo que é essencial, a unidade; em tudo que não é essencial, a pluralidade, em todos reine o amor.


“Se o individuo possui uma fé que se deixa escandalizar facilmente por argumentos, é até benéfico que ele perca essa fé salsa e fraca, para que, afora sim, sem a ilusão de que já crê, venha a ser um alcançado pela graça de possuir uma fé legitima, calcada no amor e na Palavra, sustentada pela tradição.” (p.79).


É preciso que haja paz, amor, tolerância. Precisamos da capacidade para dialogar com as diferenças. “As pessoas são mais importantes que as ideias, que os movimentos ou nossas convicções doutrinarias ou litúrgicas.”


“Os fundamentalistas colocam as verdades dogmáticas acima das verdades bíblicas e acham que estas últimas equivalem sempre às primeiras...Em fez de fazer da Bíblia o critério para a avaliação da tradição, fazem da tradição dogmática o critério para a interpretação da Bíblia.’ (p.92).


“Feitiçaria é utilizar objetos e palavras mágicas para controlar forças naturais e sobrenaturais. Muitas igrejas ditas evangélicas estão fazendo justamente isto, transformando os objetos do culto e da devoção em amuletos e fazendo das orações e louvores não mais que palavras mágicas para o controle de Deus, de anjos e de demônios. Tudo isto é um lamentável engano, uma exploração de crendice do povo inculto e um afronta ao genuíno espírito da reforma que combateu arduamente todas as formas de superstição cristã medieval semelhantes a essas.” (p.93).


Um dos grandes perigos da igreja atual é o guetoísmo eclesiástico, isto é, fechar-se em si mesma para si mesma. “Consideramo-nos melhores que os outros, melhores que os perdidos, sem perceber que só não somos perdidos por termos sido alcançados pela graça e, consequentemente, termos sido vocacionados, em Cristo, para viver em amor e serviço pelos perdidos.” (p.103).


“A espiritualidade de uma comunidade cristã se mede pelo que ela faz das portas da igreja para fora, e não pelo que ela faz das portas da igreja para dentro.” (105).

3 comentários:

  1. Olá, Pr. Luciano. Há algum tempo venho meditando em questões abordadas pelo livro do Ricardo Gouveia. Obras como "A vocação espiritual do pastor", de Eugene Peterson e "Vinho novo, odres novos", de Howard Snyder, trazem reflexões semelhantes. Se puder, me indique como conseguir "Piedade Pervertida". Um abraço. www.igrejabatistadoverbo.blogspot.com

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  2. Comprei depois de ler essas pequenas e breves anotações sobre o livro.

    http://www.erdos.com.br/produto/0/9505/piedade-pervertida

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  3. Depois da leitura do livro devo dizer que é uma heresia pós-cristã, mas o autor faz isso de modo sutil quase não se percebe que ele está ruindo todos os fundamentos da fé cristã, histórica e confessional.

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